Oscar Wilde dizia que a vida
imita a arte muito mais do que a arte imita a vida. Já Platão dizia que a arte
não passa de uma imitação tosca de segunda mão do mundo realmente real. Assim
como a questão levantada pela filosofia pré-socrática sobre o Tostines (Vende
mais porque é fresquinho ou é fresquinho porque vende mais?), a relação de
influência entre arte e realidade no processo criativo ainda gera muita
discussão, sobretudo em grupos de estudantes de artes sob o efeito de ervas
alucinógenas. É inegável que a arte no geral retrata, de forma mais ou menos
realista, situações da natureza e do nosso cotidiano, mas é difícil saber se ou
quando ela começa a influenciar a realidade que, em tese, deveria apenas
retratar. Entretanto, apesar da subjetividade envolvida no tema, existe ao
menos um subgênero da arte em que existem evidências materiais suficientes para
uma análise mais objetiva: a boa e velha ficção científica (sci-fi).
Esta forma de ficção surgiu no
século XIX, quando a ciência moderna ainda era novidade e invenções "pipocavam"
por todo lado. Os escritores de fantasia logo aproveitaram a curiosidade geral
em relação às recentes descobertas da ciência, abordando em suas histórias,
ainda de forma bastante fantasiosa, os impactos e possíveis desdobramentos da
revolução tecnológica no mundo. Alguns autores, no entanto, começaram a se
aprofundar cada vez mais na ciência, buscando sempre fundamentar suas histórias
da forma mais coerente possível com as leis da física, astronomia, biologia,
etc. A partir do gênio criativo de escritores extremamente imaginativos
combinado com os últimos avanços teóricos e práticos da ciência, nasceu um
gênero literário que, pela primeira vez, não tratava do mundo real ou
mitológico, mas se preocupava em apresentar uma visão da realidade ampliada
pelas possibilidades da ciência, da forma mais racional possível.
Pela primeira
vez a literatura previa o futuro, não com base em misticismo ou especulação,
mas por meio da lógica.
Júlio Verne (1828 - 1905), um dos pioneiros do
sci-fi e autor de clássicos como 20.000 Léguas Submarinas, A Ilha Misteriosa
[se você é fã de Lost precisa ler este último], A Volta ao Mundo em 80 Dias e
Viagem ao Centro da Terra [não julgue estes dois últimos pelos filmes.
Aliás,
se ainda não viu os filmes, jamais veja], é um dos autores cujas previsões mais
se aproximam da bruxaria. Em meados do século XIX, enquanto o mundo ainda era
preto e branco, Verne escrevia sobre gadgets portáteis e redes de comunicação e
informação ao redor do planeta. Em “20.000 Léguas Submarinas” o autor nos
apresenta o submarino Nautilus, uma embarcação com autonomia ilimitada,
controle da submersão a partir de tanques de lastro, motores e sistemas
elétricos, baterias recarregáveis, sistemas de purificação do ar, enfim, nada
que um bom submarino nuclear não ofereça. O livro foi publicado em 1870, quando
os barcos a vela ainda nem tinham sido totalmente aposentados e viagens
submarinas eram impensáveis.
As previsões tecnológicas de
Júlio Verne são muitas, espalhadas por mais de 50 livros, mas é no clássico
"Da Terra à Lua" que o autor mais abusa da bola de cristal. O livro
narra uma viagem de exploração ao nosso satélite e inclui detalhes do
planejamento da missão, análises do movimento dos dois astros, cálculos
balísticos e gravitacionais, procedimentos de alunissagem e de retorno à
Terra. Na história de Verne o Columbiad,
lançador da nave, é construído a 30 km de distância de Cabo Canaveral, onde 100
anos depois a Apollo 11 (cujo módulo foi batizado de Columbia) seria lançada
pela NASA. Os astronautas de Verne também descem no oceano, onde são resgatados
por um navio da Marinha. A missão de Verne custa US$ 12 bilhões. O programa
Apollo custou US$ 14,4 bilhões. Nem mesmo o mês de lançamento da missão,
dezembro, foi menos preciso na correspondência com a realidade. Tudo isso em um
livro publicado em 1865, quando Sarney ainda estava em seu primeiro mandato
como senador.
Júlio Verne não foi o único autor
cuja capacidade de antecipação foi comprovada pelo tempo. H. G. Wells, Philip
K. Dick, Arthur C. Clarke, Isaac Asimov [esse é o cara] e muitos outros
conseguiram visualizar com precisão assustadora o futuro que hoje chamamos de
presente e com probabilidade também assustadora o futuro que ainda chamamos de
futuro.
Muitos inventores do século XX reconheceram
a relevância da obra de Júlio Verne e de outros mestres da ficção como
inspiração para suas realizações práticas. O próprio Júlio Verne já dizia que o
que pode ser imaginado pode ser inventado. Agora a questão é se a ficção apenas
previu o futuro ou se também ajudou a construí-lo. Os autores de ficção tanto
podem ter analisado os progressos da ciência e chegado a uma previsão lógica
dos resultados como também podem ter motivado, com ideias próprias, os
progressos futuros. Será que a tecnologia que conhecemos hoje estaria nesse
mesmo nível se, há cento e tantos anos, esses caras não tivessem plantado as
sementes? Afinal, a ficção prevê a
ciência ou a ciência imita a ficção?